Vamos conhecer a solução de design de informação utilizada para documentar a descida da sonda Huygnes em Titã, a maior das 62 luas conhecidas do planeta Saturno.
Trata-se de um excelente exemplo de como podemos utilizar um punhado de dados e informações e transformá-los em conhecimento através de uma história cativante.
Assim como ocorreu comigo, espero que ele inspire profissionais das áreas de comunicação, educação e desenvolvimento de pessoas nas empresas a utilizar o design de informação nas suas atividades diárias, sejam para fins científicos, técnicos, educacionais, informativos ou persuasivos.
TITÃ UM MUNDO MISTERIOSO
Titã foi descoberto em 1655 pelo astrônomo holandês Christiaan Huygens e possui algumas peculiaridades notáveis.
Diferentemente das outras luas do Sistema Solar, possui uma atmosfera bem desenvolvida e com dinâmicas similares as da Terra, tais como estações do ano, nuvens, neblina e um ciclo de metano similar o ciclo hidrológico que por aqui bem conhecemos.
No seu polo Norte foi comprovada a existência de dezenas de lagos de metano. Esse composto que na Terra se encontra na forma de gás, lá se encontra em estado líquido em virtude de a temperatura média ser em torno de -180 °C.
Também se verificou a presença de vulcões em suposta atividade, ocasiões em que ejetariam água e amônia na atmosfera.
Só por essa breve apresentação é possível ter uma ideia de quão sedutor esse fantástico mundo se apresenta para a comunidade científica.
Em busca de mais informações, em 1979 a Pioneer 11 foi a primeira sonda espacial a fazer uma passagem por aquelas bandas. Nos anos seguintes houveram mais duas investidas: a Voyager 1, em 1980, e a Voyager 2 em 1981.
Mobilizados pelo interesse em Saturno e pela suspeita da atmosfera de Titã conter moléculas orgânicas, em 1997 foi lançada a missão Cassini-Huygens. A missão ocorreu graças a um consórcio da NASA com a ESA e foi composta pelo orbitador Cassini e pelo módulo Huygens.
Após cerca de 7 anos viajando pelo espaço interplanetário, no dia a 14 de janeiro de 2005, o módulo de Exploração Huygens (da ESA) realizou a sua última missão em um trajeto que duraria apenas alguns minutos. Nesse mergulho, singrou a atmosfera do astro nebuloso coletando dados que desvelariam seus mistérios até que, enfim, recebesse o único e o último abraço do solo titaniano (quanta poesia se concentra nesse átimo?).
IMAGEM E SOM
Os mistérios desse mundo saturnino se confundem com o arrebatamento das descobertas científicas que nele ocorreram. Toda a descida e desembarque do módulo Huygens na superfície de Titã foi registrado através de diversos sensores que geraram muitos dados incluindo cerca de 3.500 imagens.
Esse material foi posteriormente transmitido para a Terra onde foi processado e composto na forma de um vídeo.
Depois do vídeo pronto, um membro da equipe inseriu efeitos sonoros sincronizados compondo uma insólita trilha sonora gerando um resultado é surpreendente.
UMA SOLUÇÃO DE DESIGN DE INFORMAÇÃO INSPIRADORA
A solução de design de informação utilizada no vídeo acima para contar a história de alguns minutos da descida de Huygens é muito interessante e merece alguns comentários.
Na área central é apresentada a fotocomposição circular das imagens da atmosfera de da superfície de Titã captada por câmeras localizados na parte inferior do módulo. Por ser uma câmera grande angular com visão a 180°, é possível ver o horizonte circundante a todo momento. Esse tipo de projeção, que num primeiro momento causa um pouco de estranheza, vai se revelando a linguagem com que a Huygens “enxergou” o feito.
A medida que o módulo se aproxima da superfície, vai-se delineando o fantasmagórico relevo de Titã através da neblina sépia que o protege, até que o módulo, definitivamente, alcança o solo.
Trata-se de um excelente exemplo de como podemos utilizar um punhado de dados e informações e transformá-los em conhecimento através de uma história cativante.
Do lado esquerdo superior temos uma animação esquemática que mostra o movimento frenético da sonda presa a um sistema de paraquedas. Ao lado deles, uma escala sugere a dimensão de todo o equipamento comparando-o com o tamanho de uma pessoa.
Abaixo, em uma visão lateral da descida, uma linha verde traça o percurso do módulo na atmosfera onde também são representados:
- Uma seção da superfície do astro indicando a sua curvatura e a sua dimensão;
- Uma referência de tamanho do Monte Everest sobre essa superfície;
- Uma seta apontada para o orbitador Cassini;
- Uma seta apontada para o Sol;
- Uma seta horizontal apontando para o Este.
Do lado direito superior do disco é disposto o tempo da missão na forma numérica e o tempo universal através de um relógio analógico.
Logo abaixo uma bússola indicando os pontos cardeais e dentro dela uma representação da direção de Cassini, da direção da câmera e da direção do Sol. A medida que a animação corre, é possível notar como nos primeiros momentos a câmera gira freneticamente até que vai se estabilizando a medida que o a velocidade de queda módulo diminui.
Mais à direita temos uma coluna dividida em seis blocos, cada um apresentando conjuntos de dados classificados por parâmetros diversos (altitude, velocidade, velocidade do vento, pressão, temperatura, etc.), tipos e quantidades de imagens captadas, faixa espectral, fotometria, força do sinal para a Cassini e rotação.
A composição de todos esses elementos em uma única interface é muito harmônica. E essa sensação se intensifica por causa da feliz inserção da trilha sonora. É muito interessante a percepção do movimento conjunto de todos os elementos da interface embalados pelos silvos, trinados e batuques da música.
Encerrada a descida, a representação esquemática dos paraquedas os mostra estendidos no solo e no lugar da imagem circular central surgem três imagens verticais lado a lado. A primeira mostra uma fotografia da superfície da Lua com uma pegada em primeiro plano e um astronauta ao lado da bandeira dos EUA ao fundo. A segunda é uma fotografia da superfície de Titã no formato bruto (raw) onde se vê o solo e alguns seixos que vão se espalhando até o horizonte. E a terceira é a mesma fotografia que a anterior, porém no formato composto (em cores).
De acordo com a legenda, a imagem da Lua tem o propósito de oferecer uma referência de escala para a fotografia da superfície de Titã. Mas acaba sendo bem mais do que isso, ela assina a autoria do feito épico que, apesar da bandeira que lá se encontra, pertence a toda a humanidade.
EPÍLOGO
No dia 19 de abril de 2017 Cassini fez a sua última órbita ao redor de Saturno para, em seguida, mergulhar para sempre nas entranhas turbulentas do Deus do Tempo.
LINKS
Site da missão: https://saturn.jpl.nasa.gov/
Áudio da descida captado por um microfone localizado na sonda Huygens: https://saturn.jpl.nasa.gov/resources/7362/?category=audio